Substituindo o controle por autonomia

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Substituindo o controle por autonomia

Olá,

Eu sou a Daniele Castelani, psicóloga e arteterapeuta, e essa é a versão em texto do primeiro episódio do podcast IndiviDoando-se: um podcast que traz reflexões sobre a vida, sentimentos, emoções e humanidades.

Você pode ouvi-lo no link oficial do meu canal no YouTube, assim como no Spotify pelo link abaixo:

 

Você já sentiu a necessidade de se manter no controle?

Já teve medo de perder o controle em alguma situação da vida?

Quem aqui nunca quis ter o controle de algo que atire a primeira pedra.

Talvez seja para se sentir mais importante, especial, dominante ou, principalmente, seguro?

É... a necessidade de ter controle pode estar ligada a uma sensação de segurança diante de algo.

Assim, já podemos pensar que, quanto maior o medo, maior o controle.

Vocês sabiam que as pessoas mais controladoras tendem a ser mais inseguras?

Quando ouvimos suas histórias, muitas vezes são histórias de muita dor e sofrimento, de uma infância mais difícil, marcada por negligências, violências e falta de cuidado. Não é regra, claro, mas frequentemente a origem desse excesso de controle vem da insegurança e do medo: de perder, de faltar, de não ser correspondido etc.

Como tudo tem o seu lado luz e sombra (hello junguianers), quando falamos sobre controle, podemos pensar também que, precisamos prever e antecipar algumas coisas em nosso cotidiano. Ninguém (ou pelo menos não deveria) sai de casa sem carteira com documentos, celular carregado, guarda-chuva… Tudo isso é uma forma de se antecipar para promover o próprio cuidado — e isso é ótimo. Mas, em contrapartida, essa antecipação e/ou controle em excesso pode gerar gatilhos de ansiedade.

Uma coisa é uma pessoa trabalhar, por exemplo, como técnico de segurança do trabalho, no qual é necessário perceber áreas e situações de risco e antecipar soluções a fim de evitar acidentes (esse é o seu ofício, que promove bem-estar). Outra coisa é a pessoa ultrapassar os limites do trabalho e passar o dia extremamente alerta (com o cortisol nas alturas), tentando prever todas as situações que podem acontecer com ela e com os outros.

Se você já sentiu isso ou sente...

Alguém já te falou que sua ansiedade pode ser excesso de controle?

Se colocarmos uma lupa, é nítido que comportamentos como:

  • querer saber cada detalhe do que vai acontecer, como reagir…;
  • pesquisar tudo sobre algo ou alguém antes de ir ou encontrar essa pessoa para prever determinadas reações;
  • querer controlar ações, atitudes, horários e comportamentos — seus e dos outros; 

não são apenas comportamentos, mas sintomas.

E pra quem está lendo: o que pode sugerir (não definir, tá? Porque podcasts, vídeos e textos na internet não fecham diagnósticos. Estamos combinados?) que são sintomas, e não apenas o jeito da pessoa ser, é o sofrimento que ela sente.

Esse sofrimento pode aparecer como:

  • não conseguir desligar,
  • dificuldades com sono,
  • problemas nos relacionamentos,
  • reclamações de outras pessoas com você,
  • cansaço extremo,
  • dores no corpo,
  • incapacidade de relaxar,
  • pensamentos incessantes,
  • necessidade de prever e pesquisar...

 

Quando há essa necessidade sintomática de controlar e prever tudo, o corpo não desliga. O instinto de sobrevivência se prolonga — é como estar numa floresta o dia todo, buscando sinais de ameaça — e isso se torna patológico, pois gera prejuízos à saúde.

Eu sei que é possível mascarar esse sintoma com frases como: “sou inteligente demais”, “percebo tudo antes de todo mundo”, “ajo antes de todo mundo”, “se eu não estiver, nada funciona”, “ninguém cuida como eu” etc. Inclusive, numa sociedade neoliberal - que estimula competição e menor intervenção do Estado - comportamentos como o excesso de controle são até bem vistos. Ligam isso ao espírito de liderança, à pessoa atenta, que antecipa problemas e reduz danos.

Mas esses comportamentos podem ser, na verdade, uma tentativa da psique de aliviar o sofrimento, focando nos lados "bons" de se ter controle. Quando colocamos tudo na balança, o sofrimento costuma pesar mais. Só aquela pessoa sabe as dificuldades de estar alerta o tempo todo.

Então, se você sente isso, se acolha. Olhe com mais carinho para si mesmo, para seus medos e inseguranças. Talvez, ouvindo isso, fique mais evidente que o excesso de controle é um personagem que vem mascarar emoções desagradáveis — como medo e insegurança.

Assim como eu costumo dizer que a raiva é uma tristeza que usa máscara para sobreviver (inclusive, isso pode ser tema de outro podcast), o excesso de controle pode ser o medo e a insegurança mascarados.

Eu tenho uma premissa: pouquíssimas coisas podem ser controladas.

O controle remoto, por exemplo, é uma delas (mas ainda tem aquele 0,000001% de chance de acabar a pilha justo na hora que você precisa). Algumas máquinas conseguimos controlar — o carro, por exemplo — mas não controlamos a direção das outras pessoas, né?

Eu, como filha de gráfico, sei que Deus criou a impressora pra mostrar que a gente não controla nada. Nem máquina. A impressora foi feita pra nos ensinar paciência e serenidade.

Inclusive, na minha vida, quando eu era adolescente, já tinha essa mente pensante e aleatória e queria trabalhar com cuidado de pessoas — sempre foi meu desejo. Mas não tinha repertório nem orientação em casa ou na escola (com um ensino bem… defasado, sabe?), então fui bater perna, entregar currículos em lojas, mercados etc. Meu pai me ofereceu trabalhar com ele nos serviços gráficos, e eu recusei — queria minha própria jornada épica e me desvencilhar dos complexos parentais - risos.

Depois dos 18 anos, consegui meu primeiro emprego e sem saber o que era (eu ia ser jovem aprendiz) pasmem: fui trabalhar com impressoras, como meu pai!

Nos primeiros meses, eu trabalhava no Fórum Criminal de Guarulhos, tirando cópias de processos para advogados — vendo fotos horríveis de crimes, tirando cópias e passando raiva com as impressoras. Trabalhei com aquelas impressoras gigantes que travavam o dia inteiro.

Essa fase foi uma das minhas primeiras aulas da vida sobre controle. Tentei fugir das impressoras… e lá estavam elas. Nessa aula da vida, entendi também que não importa o quanto a impressora seja top de linha: ela vai travar. Vai emperrar. Vai desperdiçar papel porque o papel está úmido, e não há o que fazer — a umidade está no ar. E pasmem 2: não controlamos isso. Afinal, não controlamos quase nada - ou nada.

Agora, voltando: o que pode “substituir” o controle de forma mais saudável?

A autonomia.

Quando entendemos que podemos substituir o controle (uma ideia utópica) por autonomia, as coisas se tornam mais fluidas e os sintomas de ansiedade podem diminuir ou até desaparecer.

Porque não podemos controlar as chuvas e tempestades, mas temos autonomia para abrir um guarda-chuva, colocar uma capa de chuva ou não sair de casa.

Porque não temos controle sobre os sentimentos e atitudes do outro, mas temos autonomia para dizer como nos sentimos, expressar algo ou sair de uma situação que nos angustia.

Porque não controlamos os riscos do dia a dia, mas temos autonomia para andar mais atentos, dirigir com cuidado e nos sentirmos mais seguros com as ferramentas que temos.

E por mais que existam milhares de técnicas de “controle emocional” por aí, a verdade é que temos autonomia para lidar com nossas reações, mas não controle sobre as emoções em si. As emoções emergem — a raiva, a tristeza, o medo... nós sentimos. Ponto. O que muda é como agimos diante delas.

Na perspectiva junguiana, que é a principal abordagem do meu trabalho clínico, não existe “controle” das emoções. Jung enfatizava a importância de compreender e integrar os sentimentos, em vez de reprimi-los. Ele acreditava que tentar suprimir as emoções pode gerar conflitos internos. Em vez disso, devemos explorá-las, compreendê-las e permitir que nos ensinem algo sobre nós mesmos. Essa é a via da maturidade emocional.

A verdade é que não controlamos quase nada — ou nada mesmo. E a necessidade de controle, que é impossível e ilusória, pode te deixar mais ansioso, estressado e frustrado por não conseguir fazer as coisas como gostaria.

Que tal começar a refletir, a partir deste episódio, sobre como transformar o controle em autonomia?

Quando fazemos essa mudança interna, também mudamos um pouco o mundo ao nosso redor. Passamos a respeitar mais o outro, o tempo do outro, ouvimos com mais qualidade, sem impor o que o outro “deveria” fazer, e com mais acolhimento. Saímos dos extremos entre controle e inércia, e vamos ao caminho do meio — com mais autonomia em nossas vidas, casas e projetos — contribuindo de forma mais saudável e justa com o mundo.

Desejo que vocês sejam mais autônomos na vida, e que se sintam mais calmos, menos ansiosos e menos estressados.

E se precisar de apoio, não hesite em buscar ajuda profissional.

Para quem quiser saber mais sobre o meu trabalho, estou no www.barbolani.com.br e no Instagram: @danibarbolani.psi

Um beijo, e até o próximo episódio!

 

Psicóloga e Arteterapeuta Daniele Castelani